terça-feira, 3 de junho de 2014

O verdadeiro valor da caminhada

Em 2001, no meu curso para Cabo de Infantaria, do Exército Brasileiro, passamos por um dia difícil e de muita pressão e cansaço. Depois de um dia, uma noite e uma madrugada na selva, com muito treinamento e fome, achávamos que o curso já estava no fim. Sentamos numa roda, todos sujos e cansados, começamos a traçar como seria a comemoração. Um Oficial passou por nós e ouviu nossa conversa. De imediato ele chamou todos os alunos e informou que iríamos voltar para Manaus a pé (apesar de estarmos a cerca de 90 km de Manaus, achávamos isso possível pois o mesmo oficial já tinha feito uma tropa anterior andar este trajeto).
A tristeza começou a bater quando vimos as viaturas partindo... E começou o trajeto, corremos (com mochila e fuzil) 1,5km de ramal em meio a gritos, tapas e areia nas costas. O que me chamou a atenção neste dia foi a unidade dos alunos (soldado em curso é chamado de aluno). Enquanto os instrutores gritavam para desistirmos e sairmos, nós gritávamos entre nós "Não ouçam eles, não se entreguem, uma dia isso vai acabar..." (estávamos com 3 meses de curso). Lembro do número 24 (o meu era 40), ele chorava e gritava que não aguentava mais, com isso ele era um dos mais pressionados.

Chegamos na estrada... o sol de fim de tarde já se escondia no horizonte, revelando uma longa caminhada. As forças iam se acabando mas a gritaria não cessava... percebi que a motivação entre nós diminuía mas ainda existia.

Depois de quase 3 km o oficial nos manda parar em uma clareira na beira da estrada e chama o Capitão (comandante do curso, um cara que dava medo só de olhar para a cara dele).
O Capitão começa um discurso de desmotivação e expulsão, chamando a todos de fracos, falou que sabia que estávamos comemorando o fim do curso, mas que podíamos tirar isso da cabeça, pois ele tinha vergonha de nós e não iria, de forma alguma permitir que seu nome fosse vinculado à nossa promoção. Cada frase que ele dizia, dava um comando para sentarmos e levantarmos (já não tínhamos força nem para ficar de pé), eu e um colega sempre levantávamos o 24, pois ele não parava de chorar e estava a ponto de desmaiar.

Após vários minutos de desmotivação, o Capitão Basílio olha bem no fundo de nossos olhos e diz:
" Alunos, todos vocês, ao chegarem em Manaus, terão algo a dizer para suas mães. Digam a elas: 'Mamãe, agora eu sou um Cabo do Exército...' É com muito orgulho que informo a todos vocês... o Curso de Cabo Infante do 1° Batalhão de Infantaria de Selva acaba aqui e todos vocês passaram. Parabéns... quando eu der um apito vocês saem de forma e podem comemorar, as viaturas estão voltando."

Depois do apito, um tímido silêncio imperou no lugar, ninguém se movia. O Capitão Basílio gritou sorrindo: " Vamos lá Cabos, eu falei a verdade."
Aos poucos nossas cabeças foram se virando para o lado e, ainda incrédulos, fomos nos abraçando... até hoje nunca vi tanto homem chorando como naquele dia. A frase mais ouvida, entre lágrimas, era: "Eu te falei Cabo, falei que você ia conseguir, Parabéns Cabo..."

Após isso tivemos nossa formatura, e um pouco depois assumimos nossos postos, e todos olhavam com orgulho e respeito. Mas nem a formatura, e nem as funções assumidas tiveram tanto impacto quanto aquele dia, o último dia do nosso curso para cabo.

Com essa experiência pudemos aprender que o que vale não é o prêmio, mas sim a caminhada, ela deixará marcas que nem o tempo poderá tirar.