Em 2001,
no meu curso para Cabo de Infantaria, do Exército Brasileiro, passamos por um
dia difícil e de muita pressão e cansaço. Depois de um dia, uma noite
e uma madrugada na selva, com muito treinamento e fome, achávamos que o curso
já estava no fim. Sentamos numa roda, todos sujos e cansados, começamos a
traçar como seria a comemoração. Um Oficial passou por nós e ouviu nossa
conversa. De imediato ele chamou todos os alunos e informou que iríamos voltar
para Manaus a pé (apesar de estarmos a cerca de 90 km de Manaus, achávamos isso
possível pois o mesmo oficial já tinha feito uma tropa anterior andar este
trajeto).
A
tristeza começou a bater quando vimos as viaturas partindo... E começou o
trajeto, corremos (com mochila e fuzil) 1,5km de ramal em meio a gritos, tapas
e areia nas costas. O que me chamou a atenção neste dia foi a unidade dos
alunos (soldado em curso é chamado de aluno). Enquanto os instrutores gritavam
para desistirmos e sairmos, nós gritávamos entre nós "Não ouçam eles, não
se entreguem, uma dia isso vai acabar..." (estávamos com 3 meses de
curso). Lembro do número 24 (o meu era 40), ele chorava e gritava que não
aguentava mais, com isso ele era um dos mais pressionados.
Chegamos
na estrada... o sol de fim de tarde já se escondia no horizonte, revelando uma
longa caminhada. As forças iam se acabando mas a gritaria não cessava...
percebi que a motivação entre nós diminuía mas ainda existia.
Depois
de quase 3 km o oficial nos manda parar em uma clareira na beira da estrada e
chama o Capitão (comandante do curso, um cara que dava medo só de olhar para a
cara dele).
O
Capitão começa um discurso de desmotivação e expulsão, chamando a todos de
fracos, falou que sabia que estávamos comemorando o fim do curso, mas que
podíamos tirar isso da cabeça, pois ele tinha vergonha de nós e não iria, de
forma alguma permitir que seu nome fosse vinculado à nossa promoção. Cada frase
que ele dizia, dava um comando para sentarmos e levantarmos (já não tínhamos
força nem para ficar de pé), eu e um colega sempre levantávamos o 24,
pois ele não parava de chorar e estava a ponto de desmaiar.
Após
vários minutos de desmotivação, o Capitão Basílio olha bem no fundo de nossos
olhos e diz:
"
Alunos, todos vocês, ao chegarem em Manaus, terão algo a dizer para suas
mães. Digam a elas: 'Mamãe, agora eu sou um Cabo do Exército...' É com muito
orgulho que informo a todos vocês... o Curso de Cabo Infante do 1° Batalhão de
Infantaria de Selva acaba aqui e todos vocês passaram. Parabéns... quando eu
der um apito vocês saem de forma e podem comemorar, as viaturas estão
voltando."
Depois
do apito, um tímido silêncio imperou no lugar, ninguém se movia. O Capitão
Basílio gritou sorrindo: " Vamos lá Cabos, eu falei a verdade."
Aos
poucos nossas cabeças foram se virando para o lado e, ainda incrédulos, fomos
nos abraçando... até hoje nunca vi tanto homem chorando como naquele dia. A
frase mais ouvida, entre lágrimas, era: "Eu te falei Cabo, falei que você
ia conseguir, Parabéns Cabo..."
Após
isso tivemos nossa formatura, e um pouco depois assumimos nossos postos, e
todos olhavam com orgulho e respeito. Mas nem a formatura, e nem as funções
assumidas tiveram tanto impacto quanto aquele dia, o último dia do nosso curso
para cabo.
Com essa
experiência pudemos aprender que o que vale não é o prêmio, mas sim a
caminhada, ela deixará marcas que nem o tempo poderá tirar.